Lisboa, 14 Jul (Lusa) - O aquecimento dos oceanos, expresso num aumento da temperatura da água sobretudo nos 700 metros mais à superfície, causa escassez de nutrientes, ameaçando a vida e a produtividade marinhas, de acordo com o cientista Richard Matear.
"Com o aumento da temperatura na faixa superior do oceano, a subida de nutrientes à superfície torna-se mais difícil, causando escassez alimentar e redução na produtividade marinha", afirmou o investigador em declarações à agência Lusa a partir da Austrália.
Referindo o estudo de Catia Motta Domingues, do Centro Australiano de Investigação sobre o Clima - estrutura que resulta de uma parceria entre o Serviço de Meteorologia e a Organização de Investigação Científica e Industrial da Comunidade Britânica (mais conhecida pela sigla inglesa CSIRO) - Matear sublinhou o facto de o calor se concentrar à superfície.
"O estudo mostra que ocorre um maior aquecimento na faixa superior do oceano, uma vez que o calor não penetra tão profundamente como se pensava", afirmou à Lusa.
O climatologista da Wealth from Oceans (Riqueza dos Oceanos), uma iniciativa da Organização de Investigação Científica e Industrial, defende que "a temperatura na superfície do mar é um bom indicador ambiental das biorregiões marinhas, sobretudo para os organismos pelágicos, aqueles que vivem nas colunas de água".
E, ainda que a temperatura não seja o único factor a definir as biorregiões, os restantes intervenientes - a produtividade, o fornecimento de nutrientes e os níveis de luz - "também são afectados pelo aquecimento da faixa superior do oceano".
Segundo o investigador, "à medida que o oceano aquece, a principal reacção é uma deslocação dos biomas no sentido dos pólos".
Os biomas são sistemas de interacção entre solo, clima, relevo, fauna e demais elementos da natureza e Richard Matear acredita que as deslocações "já estão a verificar-se, como se constata em regiões como a Austrália Oriental, e vão continuar a registar-se a um ritmo mais rápido do que se julgava".
O perito referiu ainda à Lusa os efeitos da penetração de dióxido de carbono antropogénico (aquele que deriva das actividades humanas) nos mares, onde os 700 metros mais à superfície voltam a ser os mais afectados.
"Essa penetração está a alterar a química da faixa superior dos oceanos, causando um decréscimo na concentração de iões de carbonato, o que reduz a capacidade de calcificação dos organismos", destacou.
O impacto será directamente sentido em animais cujo esqueleto externo (exoesqueleto) é formado por carbonato de cálcio, caso dos caranguejos, lagostas, estrelas e ouriços-do-mar ou corais.
Nos últimos dois séculos, 48 por cento do CO2 lançado pelas acções humanas na atmosfera foi absorvido pelos oceanos e um estudo recente do Centro de Investigação Cooperativa sobre o Clima e Ecossistema Antárcticos, parceiro na investigação de Catia Domingues, prevê que, já em 2060, a baixa concentração de iões de carbonato nas águas da Antárctica impeça a produção de aragonite, uma das formas de carbonato de cálcio existente nas conchas dos organismos marinhos.
No relatório, divulgado há cerca de um mês, o Centro de Investigação australiano indica que, por volta de 2100, o aumento de acidez dos oceanos - causado pela absorção de CO2 - deve expandir-se para Norte a partir da Antárctica.
E, apesar de as espécies terem capacidade de adaptação às alterações do meio ambiente, a sua evolução decorre ao longo de milhares de anos, pelo que dificilmente poderão acompanhar a rápida acidificação dos oceanos, assinala o documento.
Segundo a investigação do Centro de Investigação Cooperativa sobre o Clima e Ecossistema Antárcticos, o fenómeno terá consequências também a nível piscatório e turístico, pois colocará em perigo os ecossistemas que dependem dos recifes, e vai enfraquecer arquipélagos como as Maldivas e o Quiribati, que ficarão mais vulneráveis às tempestades marítimas e tufões.
Fonte Visão