Ao longo dos últimos dias ao ler os jornais nacionais e estrangeiros apercebi-me de algo interessante. Um enorme número de pessoas parece acreditar em duas coisas que deixaram de fazer sentido no final de 2008. A primeira é que com o final da Administração W. Bush podemos finalmente regressar ao passado e abraçar de novo a boa velha América. A América má e incompetente regressou aonde nunca deveria ter saído - ao Texas profundo. A segunda é que, com a Administração Obama em Washington, os EUA vão conseguir começar a controlar a crise financeira e a recessão que se está a fazer sentir de uma forma cada vez mais dura a nível internacional.
Estas duas ideias são altamente problemáticas. Regressar ao passado e depositar as nossas esperanças apenas na capacidade de recuperação económica dos EUA não nos vai levar muito longe. O verdadeiro problema que temos pela frente é saber se, ao longo deste ano, vai ou não ser possível começar a negociar os princípios e as regras de uma nova ordem económica mundial. Não estamos de regresso ao passado. Estamos é presentes na reestruturação de algo essencial para a paz e a prosperidade internacional.
Os EUA e a China foram os verdadeiros motores dos últimos dez anos da economia mundial. A relação entre Washington e Pequim foi de tal maneira importante que Niall Ferguson, da Universidade de Harvard, cunhou uma nova expressão para descrever esta espécie de novo país económico - 'Chimerica'. As enormes poupanças dos 'chimericanos' de leste permitiram a Washington manter as taxas de juros a níveis historicamente muito baixos. Os hábitos de consumo dos 'chimericanos' de oeste alimentaram as exportações da China que por sua vez usou grande parte deste dinheiro para financiar o défice dos EUA. A 'Chimerica' tornou claro que, pela primeira vez em muitos séculos, os fluxos de capitais que estão no coração da fase da globalização que temos vivido vinham do Oriente para o Ocidente.
A relação entre Washington e Pequim é de tal maneira importante para os dois países e para a economia mundial que Ferguson deu um conselho a Barack Obama - "Não espere até Abril pela nova reunião dos G-20. Convoque uma reunião do G-2 chimericano no dia seguinte à sua tomada de posse. Não espere pela China para convocar a sua própria reunião de um novo 'G-1' em Pequim". Os conselhos dos professores universitários existem para serem ignorados pelos decisores políticos. Em vez do G-2 de Niall Ferguson, Timothy Geithner, o novo secretário do Tesouro, foi ao Comité de Finanças do Senado acusar a China de manipular o valor da sua moeda no segundo dia da Administração Obama. Esta semana foi a vez de Hillary Clinton, a nova secretária de Estado dos EUA, dizer que a agenda das relações entre Washington e Pequim não pode continuar a ser dominada apenas pelas questões económicas.
As posições de Geithner e Clinton mostram três coisas importantes. A primeira é que ainda não é claro quem é que na Administração Obama vai ser responsável pela gestão do relacionamento económico com a China. A segunda é que a Administração Obama e muitos membros do Congresso pensam que a política cambial chinesa esteve na origem da crise financeira internacional. O baixo valor da moeda chinesa aliado às altas taxas de poupança do país financiou as bolhas especulativas nos mercados mobiliários e financeiros de uma série de outros países e desequilibrou a economia mundial. A terceira é que numa situação de fortes quebras de procura nas sociedades mais ricas do mundo, a China precisa agora de exportar menos e consumir muito mais para manter a economia internacional a funcionar. Uma moeda mais forte é uma das maneiras de conseguir isto.
A resposta chinesa veio de um sítio impensável aqui há uns anos - do Fórum Económico Mundial em Davos. Wen Jiabao, primeiro-ministro da China, apontou o dedo às práticas seguidas pelos EUA e muitos países europeus para justificar a origem da actual crise e anunciou uma série de medidas para estimular o investimento e a procura interna. Wen também defendeu que é essencial repensar as regras e o funcionamento do sistema financeiro internacional.
O início do debate político entre Washington e Pequim sobre o que fazer para ressuscitar a economia mundial e a discussão sobre as regras a seguir a nível internacional para diminuir os riscos das bolhas especulativas mostra que estamos a assistir ao início da reestruturação da economia internacional. Esta reestruturação vai depender muito das deliberações tomadas em Washington e Pequim nos próximos tempos. É tempo de olhar em frente e de compreender que o que está em causa não é o passado mas sim a evolução da globalização.
Richard Holbrooke, a coisa mais parecida que os EUA têm com um carro de combate diplomático, foi nomeado Representante Especial dos EUA para o Paquistão e Afeganistão. A nomeação de Holbrooke mostra a grande importância da Ásia do Sul para o processo de decisão da Administração Obama. Mostra também a enorme frustração de Washington com o caos e a incerteza que rodeiam o Paquistão e o Afeganistão. O caos e a frustração não deveriam surpreender quem conhece a turbulenta história regional. Mesmo assim, é claramente preciso ter em Washington e na Ásia do Sul alguém experiente e com peso político e burocrático para conseguir pôr alguma ordem nos programas e objectivos militares e civis dos EUA na região.