Mikhail Gorbachev
Do The New York Times
O novo presidente dos Estados Unidos assumiu o cargo, uma coisa que acontece regularmente a cada quatro anos. Só que desta vez o evento foi extraordinário.
Foi resultado de uma campanha extraordinária, tanto na consistência quanto na urgência em torno dela; extraordinário também foi o envolvimento das pessoas, especialmente os jovens.
O resultado foi também extraordinário - um marco para o sepultamento de um legado de escravidão e racismo. O apoio e a confiança depositados no Presidente Barack Obama pelos americanos, incluindo muitos que não votaram nele, foram também extraordinários.
O mundo inteiro também demonstrou um interesse extraordinário na campanha, além de esperanças de mudança na política norte-americana. Praticamente todos no mundo inteiro estão desejando sucesso a ele.
A razão principal para isso tudo é que as tensões econômicas e políticas, e a pressão dos problemas que vêm se acumulando por décadas, são extraordinárias na história recente.
No seu discurso de posse, Obama listou estes problemas de forma sóbria e taciturna. A crise, disse ele, é "uma conseqüência da ganância e da irresponsabilidade de alguns, mas é também nosso fracasso coletivo em fazer escolhas difíceis e preparar-nos para uma nova era."
O apoio dos norte-americanos dá a Obama uma grande oportunidade. Mas as grandes expectativas criadas pela nação e o mundo podem também ser um ônus, um peso que ele e sua equipe terão sobre os ombros. Ele escolheu seus colaboradores, mas ainda é muito cedo para saber se suas escolhas estarão à altura do desafio.
O presidente, com toda razão, irá focar inicialmente na crise econômica. Mas resolver os problemas econômicos da América sem mudanças fundamentais no mundo será impossível.
O "Consenso de Washington", que previa que a economia global poderia ser definida de um centro único, foi desacreditado como um modelo global. Era baseado inteiramente em razão do lucro e do consumo exacerbado e em instituições falidas e ultrapassadas.
Um novo modelo deve reconhecer a necessidade de cooperação multilateral. Em seu discurso, Obama reconheceu que as ameaças de hoje requerem "ainda mais cooperação e entendimento entre as nações." Eu tenho certeza de que, por mais forte que sejam as críticas e até a ira de alguns sobre as ações dos Estados Unidos - na Europa, China, Índia, Rússia, América Latina - os líderes e o público em geral entendem a importância do papel que a América exerce e estão prontos a cooperar com ela.
Mas é exatamente este o x do problema. Estaria a América pronta? E se estiver, está pronta sob que premissas, as novas ou as antigas?
No seu discurso, Obama disse: "O mundo mudou e nós precisamos mudar com ele." O compromisso com aquelas palavras deve ser comprovado por atos e decisões específicas. Que exigirão uma análise honesta e realista da situação global.
Este tipo de análise esteve em falta nos Estados Unidos por quase duas décadas. A América foi vista como quase onipotente. A arrogância e o triunfalismo cegaram o país na sua função de criador de políticas; a reflexão séria foi substituída por slogans.
O século XX foi um século americano - vamos fazer do século XXI também um século americano. Este sentimento, proposto por um presidente norte-americano há mais de uma década, ecoou naqueles que conduziram as políticas americanas nos últimos anos.
O mundo não aceitará fazer o papel de "extra" num filme roteirizado pelos Estados Unidos. O reconhecimento desta atitude parece estar finalmente brotando nos Estados Unidos.
A América está acordando do longo período de euforia da sua suposta onipotência. O resultado das eleições presidenciais é um reconhecimento de que a força da América não vem da construção de impérios ou de aventuras militares, mas da sua habilidade de corrigir seus erros, tanto aqueles cometidos há muito tempo quanto os mais recentes.
Não se traça uma política internacional da noite para o dia, especialmente quando se precisa não de um mero ajuste, mas de uma revisão completa. O que o presidente e os membros de sua equipe disseram até agora não é suficiente para demonstrar a direção que eles irão tomar.
No entanto, Obama está recebendo todo tipo de conselho.
Zbigniew Brzezinski propõe um foco nas relações com a China. Suas recentes declarações em Pequim parecem sugerir um tipo de condomínio, um G2 da China com os Estados Unidos. Claro, a importância política e econômica mundial da China continuará crescendo, mas eu acho que aqueles que desejam começar um novo jogo geopolítico vão se decepcionar. É muito provável que a China não aceite e, de forma geral, estes jogos ficaram no passado.
Da mesma forma, as propostas de Henry Kissinger para uma "nova ordem mundial" parecem pressupor uma nova divisão geopolítica do mundo. O que realmente precisamos é de abordagens mais modernas e atuais.
Vários líderes europeus, políticos veteranos e figuras públicas solicitaram ao novo presidente dos Estados Unidos que reconsiderasse políticas anteriores há muito subestimadas. Os Estados Unidos, que em 1990 assinaram a Carta de Paris para uma Nova Europa, podem ser um parceiro natural para se criar uma nova estrutura de segurança européia - um projeto que está sendo discutido.
Eu também espero que o presidente veja o grande potencial positivo inerente às relações com a Rússia, que foram tratadas de forma equivocada nos últimos anos. Uma mudança para melhor pode ser conquistada num período relativamente curto, promovendo relações mais saudáveis com os países vizinhos da Rússia e com a Europa como um todo.
Moldar uma política para o Oriente Médio tornaria uma batalha inevitável. Se uma coisa ficou absolutamente clara nos últimos anos é que a abordagem costumeira não funciona mais naquela região. Esta tática só faz do Oriente Médio um solo ainda mais perigoso e fértil para o extremismo e o terrorismo. As políticas atuais dos Estados Unidos não privilegiaram a região como um todo ou, em particular, Israel, uma nação com a qual os Estados Unidos têm relações especiais.
Dois problemas de longo prazo exigem uma urgência especial e uma atenção cuidadosa da parte de Obama: A não-proliferação nuclear e a crise ambiental global. Não será fácil desenredar a teia complexa de contradições que cerca estas questões.
Reduzir a não-proliferação nuclear às exigências de que o Irã e a Coréia do Norte interrompam seus programas nucleares irá apenas levar a um beco sem saída. As potências nucleares não poderão sustentar seu monopólio indefinidamente e, é claro, o Tratado de Não-Proliferação não lhes permite.
A solução é promover um mundo sem armas nucleares. Mas este objetivo não pode ser atingido se um país detém uma superioridade esmagadora de armas convencionais sobre os outros. Sem procedimentos específicos para reduzir estas armas - em geral, sem políticas internacionais de desmilitarização - teremos apenas palavras vazias. O que precisamos é de um verdadeiro avanço, como aquele conquistado no final da década de 1980.
A julgar pelo discurso de posse de Obama, ele compreende que mesmo encarando os desafios imediatos da crise econômica, ele não deve deixar de lado problemas como a pobreza e as questões ambientais, especialmente as mudanças climáticas. Cultivar o desenvolvimento econômico e preservar o planeta para as gerações futuras pode ser contraditório; a única forma de solucionar este impasse de prioridades é desenvolver políticas multilaterais. Isto se aplica a praticamente qualquer problema, em todas as áreas.
Eu suspeito que neste exato momento as pessoas estejam refletindo sobre o apelo do presidente dos Estados Unidos para encararem uma nova era de responsabilidade. Talvez nem ele nem nós ainda saibamos o que isto deverá ser.
No entanto, uma coisa já ficou clara: Estamos, sem dúvida, à beira de uma nova era, a caminho de um novo mundo, uma estrada que devemos trilhar juntos.
Fonte Terra
Nota: Sem euforia, sem alarmismo, sem sensacionalimo, não precisamos disto. Temos que reformar nossas vida dentro do padrão de plena sobriedade e segurança, está na hora de acordarmos do sono, e colocarmos a vida em ordem.