Na avenida Corrientes, entre letreiros em neon, fotos de
mulheres semi-nuas nas propagandas dos musicais em cartaz, bares e
livrarias que viram a noite, está o teatro Moulin Bleu. A entrada é uma
pequena porta na esquina da rua Rodriguez Peña onde um senhor anuncia
que é de graça a entrada nas segundas-feiras à noite. É um teatro? Não, é um culto evangélico. Ou melhor: um show de talentos evangélicos.
O teatro
fica no segundo andar do prédio. À meia luz, famílias inteiras,
prostitutas e travestis aguardam enquanto crianças e garçons circulam
pelos corredores. Durante toda a noite é possível comprar
vinho, cerveja e uísque e pedir uma pizza. Uma ajudante passa
distribuindo folhetos entre as mesas com as informações sobre o culto,
que é chamado "Predicando entre Plumas y Strass".
O culto
no Moulin Bleu começou há seis anos com o pastor Diego Gebel. Ele morreu
em maio do ano passado, aos 47 anos, depois de ter uma parada
respiratória enquanto se recuperava de um cateterismo. Quem assumiu a
condução do culto foi a viúva dele, Mabel.
É Mabel Gebel, cabelos loiríssimos, vestido preto e capa cintilante,
quem abre o culto, às 22h. Ela explica o conceito da noite para os
estreantes: Deus ama a todos sem distinção e por isso ela discorda dos
evangélicos que têm preconceito contra travestis, prostitutas e
homossexuais. No "Predicando entre Plumas y Strass", entra quem quer, se
apresenta quem quer.
Mariana A, uma travesti de vestido longo,
entra em seguida para fazer um show caribenho acompanhada de dois
dançarinos de short curto e sem camisa. Ao longo da apresentação, o
vestido é arrancado e ela fica com a bunda à mostra. Os seios em algum
momento também vem à público.
Uma senhora ao meu lado,
chamada Juana, contou que assiste ao culto toda semana há seis meses,
desde que precisou fazer uma cirurgia no joelho e veio morar em Buenos Aires
com o filho mais novo. Ele trabalha como ator, visita hospitais
infantis da cidade fazendo apresentações circenses e nas segundas-feiras
se apresenta no Moulin Bleu.
A noite segue com uma das
filhas da pastora cantando uma música evangélica e outra filha fazendo
um esquete de humor com um homem que, na verdade, era o porteiro do
começo da noite. Mariana A. e outra travesti mais velha, loira, são as
que mais fazem apresentações, quase sempre começando deslumbrantes e
terminando semi-nuas. Entre um e outro, entra a pastora Mabel para
pregar. No discurso mais longo da noite ela contou a história de Davi e
Golias. Depois anunciou que mais tarde iria levar a palavra do Senhor a
um cabaré.
Duas horas depois, o show chegando ao final, chega a
vez do filho da Juana. Ele entra no palco fantasiado de Evita Perón,
vestido longo, maquiagem pesada e peruca loira. Com caras e bocas,
cantou "Don't cry for me, Argentina". Juana não chorou, mas ficou
emocionada.
Fonte Jornal do Brasil
Nota: (Felipe Lemos) O conceito de que Deus ama a todos sem distinção é verdadeiro,
porém eu tenho sérias dúvidas a respeito do contexto em que essa
afirmação é colocada, especialmente no discurso de igrejas e religiões
que se propõem a atraírem fieis a qualquer custo e se tornarem
populares. Digo isso porque, de acordo com a Bíblia (que deveria ser
levada mais a sério, pois, afinal de contas, é a Palavra de Deus), Deus
ama as pessoas tais como são, mas demonstra profundamente o desejo de
transformá-las e torná-las pessoas diferentes. Caso contrário, qual
seria a razão de o apóstolo Paulo enfatizar, em textos como Gálatas
2:20, que "já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim". E essa
atuação de Deus na vida humana é responsável por uma mudança de foco e
conduta. A Bíblia apresenta expressões como a graça transformadora. Ora,
não é uma graça apenas teórica, etérea, mas que efetivamente produz
algum tipo de mudança de paradigmas na vida humana e alteração de rota.
É verdade que cristãos e qualquer ser humano, independente de
religião, precisam saber respeitar as pessoas não importa quais seus
hábitos. Mas isso não significa que Deus aprova práticas e
comportamentos que contraria os próprios princípios que Ele determinou e
que refletem Seu caráter puro, santo e imaculado.
Recomendo cuidado para quem quer tornar o cristianismo um produto
popular capaz de agradar a todos em conceitos e pensamentos, inclusive
os mais baixos possíveis.