20 dezembro 2011

É Realmente Importante Que Música Escolhemos Ouvir?

Telefone para uma linha aérea. Entre num supermercado. Pare num banco. Entre no quarto de um adolescente. Você não pode escapar. De acalmante a perturbante, de rock a rap, de clássico a popular, a música está em todo lugar; é quase onipresente.


Mas temos nós alguma escolha? Nesta era de explosão tecnológica audiovisual, podemos realmente escolher a música que ouvimos? Existem princípios aplicáveis à música que apreciamos? À música que ensinamos? À que tocamos?

Por séculos o debate sobre música tem sido o centro de atenção. Músicos, filósofos e teólogos têm discutido questões referentes aos efeitos de diferentes estilos musicais nas emoções humanas e padrões de comportamento. A religião tem tentado distinguir um papel para   música na adoração e louvor. Educadores não têm ficado para atrás no debate.

A Bíblia descreve o papel vital da música na religião e cultura judaica bem como na igreja cristã primitiva. Observe a variedade dos estilos musicais e usos que se encontram na tradição bíblica: O cântico de Moisés reafirma o ato triunfal de libertação de Deus (Êxodo 15). Davi usou a música como terapia para Saul (I Samuel 16:14-23). Esdras relatou a vinda de 200 cantores e cantoras para ajudar a restabelecer o louvor no novo templo de Jerusalém (Esdras 2:65). Os Salmos e Cantares de Salomão no cânone sagrado atestam o valor da música na época do Antigo Testamento. A instrução do apóstolo Paulo referente ao canto mostra o valor que a igreja primitiva dava à música
(I Coríntios 14:15; Efésios 5:19; Colossenses 3:16).

A história da igreja continua a gravar esta tradição. Lutero e Calvino tinham fortes convicções sobre o papel da música no louvor congregacional e na vida dos crentes individualmente.1 De Lutero, recebemos uma rica herança de música para a igreja, incluindo o famoso hino da Reforma, “Castelo Forte”.

Música não é uma preocupação só da igreja. É também uma preocupação de educadores. Allan Bloom afirma:

Mesmo que alunos não tenham livros, enfaticamente terão música. Nada é mais singular a respeito desta geração que a dependência da música. Esta é a era de música e dos estados de espírito que a acompanham… Hoje, uma grande parte de jovens entre as idades de dez e vinte anos vivem para a música. Ela é sua paixão; nada lhes estimula mais que ela; não conseguem levar a sério nada que seja alheio à música… Nada ao seu redor — escola, família, igreja — tem de ver com seu mundo musical.2

O psiquiatra inglês Anthony Storr acrescenta: “Música é tão livremente disponível hoje que negligenciamos ou subestimamos seu poder para o bem ou mal.”3

É dentro desta perspectiva social que os Adventistas do Sétimo Dia procuram estabelecer uma filosofia sobre a música que fortaleça o relacionamento individual com Cristo e os princípios de Seu reino.

Música na Igreja Adventista

Ellen White escreveu extensivamente sobre o poder de canções e da música.4 Princípios bíblicos juntamente com pontos de vista publicados de Ellen White têm provido uma base para o desenvolvimento da filosofia adventista sobre música. Suas afirmações neste assunto podem ser resumidos da seguinte maneira:
  • A música é uma dádiva de Deus, feita para inspirar e elevar o indivíduo. Esta dádiva pode ser pervertida para servir maus propósitos, e como tal é um dos agentes mais fascinantes da tentação.
  • A música ajuda a memorizarmos a Palavra de Deus. “Existem poucos meios mais eficazes para gravarmos Suas palavras na memória que repeti-las numa canção.”
  • A música é “um dos mais eficazes meios de impressionar o coração com a verdade espiritual”.
  • A música é uma valiosa ferramenta educacional tanto no lar como na escola. Cantar leva pais, professores e alunos mais perto de Deus e de um ao outro.
  • “Como parte do serviço religioso, cantar é tanto um ato de louvor como o é a oração.”
  • Através da música “a comunhão celeste começa na Terra. Aqui aprendemos a nota tônica da sua adoração.”
Em 1981 a Associação Geral publicou “Guidelines Toward a Seventh-day Adventist Philosophy of Music” (Princípios para a Filosofia Adventista do Sétimo Dia Sobre a Música).5 O panfleto, baseado nos ensinos bíblicos e afirmações de Ellen White, provê sugestões para ajudar-nos a encarar assuntos relacionados à música que vêm a tona de vez em quando. Revistas da igreja adventista também continuam a discutir estas questões.

Lidando com a mudança na música

Com base nestes conceitos, podemos encontrar conceitos e idéias para ajudar-nos a lidar com o continuamente mutante, desafiante e por vezes caótico mundo da música? Acho que sim. Minha experiência como músico, educador e ministro de música tem me levado a desenvolver o seguinte quadro de princípios de onde cada indivíduo pode fazer escolhas inteligentes.

1. A música deve glorificar a Deus. Seja qual for a música que escolher para ouvir ou tocar, seja sagrada ou secular, deve ser para a glória de Deus. Quando toco tenho sempre que tentar oferecer meu melhor. Uma apresentação descuidada e sem preparo não honra a Deus. “Cristãos que desculpam sua mediocridade com racionalizações de auto-piedade parecem culpados de não entender a extensão do chamado de Deus em suas vidas.”6

2. A música, em si, não torna ninguém moral ou imoral. Isto não quer dizer que a música não afeta a moralidade! Isto só quer dizer que a preferência de um estilo musical (clássica, folclórica, evangélica, popular, etc.) não deve ser igualada com o relacionamento de alguém com Deus. Só porque eu gosto da música de Bach, Beethoven e Brahms não me faz uma pessoa mais moral que meu amigo que gosta de Steve Green e Sandy Patti. Ao lidar com estética pode ser bom refletirmos no que Harold Best disse: “A beleza de Deus não é beleza estética mas beleza moral e ética. A beleza da criação não é beleza moral; é beleza estética, beleza artística. Beleza estética constitúi-se na forma e qualidade em que algo é feito ou dito. Verdade constitúi-se no que é dito.”7

3. A música deve ser apropriada. Enquanto um traje de banho é apropriado para a praia, não o é para a igreja. O mesmo princípio pode ser aplicado para a música. Nem todos os estilos de música são apropriados para todas as ocasiões, e alguns estilos podem nunca ser apropriados para o cristão. O que pode ser perfeitamente legítimo para uma melodia emotiva de canção de amor pode não ser apropriado para um culto de adoração. O contexto é diferente. Deve a música de adoração concentrar-se no prazer emocional em lugar do louvor a Deus? No nosso mundo dirigido pela diversão, devemos ser cuidadosos ao distinguir entre diversão e adoração. Adoração é o que oferecemos a Deus; diversão é uma apresentação ou show com o propósito de entreter e distrair.”8

4. A cultura condiciona preferências musicais. A norma para música que é aceitável varia dependendo do país e da cultura. Os adventistas devem avaliar sua música dentro de sua cultura e decidir o que expressa e o que não expressa uma visão positiva cristã.

5. O mundo da música popular não é totalmente condizente com valores cristãos. Quem hoje impõe a moda musical ao redor do mundo não é o lar, a igreja ou a escola mas os interesses comerciais do rádio, televisão e filmes. “A música rock é inquestionavelmente e sem problemas como o ar que os estudantes respiram, e muito poucos têm qualquer gosto pela música clássica.”9 A utopia mundial rock-’n'-roll que a Music TV tenta criar é uma ilustração clara da natureza do problema que enfrentamos com relação às novas tendências na música.

James St. Lawrence e Doris Joyner relataram recentemente sobre sua pesquisa, “Os Efeitos da Música Rock Sexualmente Violenta em Aceitação Masculina de Violência à Mulher.” Descrevendo os resultados de seu estudo, eles escreveram:

“A manipulação experimental envolveu a exposição à música heavy-metal rock, à música heavy-metal rock cristã ou à música clássica calma… Os resultados indicaram que os homens com uma educação religiosa intrínsica [ou seja, não motivados por uma convicção interior] passaram a melhor aceitar visões sexistas e que apóiam o estupro. Exposição à música heavy-metal rock, independente do conteúdo da letra, aumentou a estereotipagem do papel sexual masculino e atitudes negativas para com a mulher.”10

Jeffrey Arnett descobriu que, quando comparados com meninos que não gostavam de música heavy-metal, meninos que gostavam de música heavy-metal demonstraram um “comportamento” mais “irresponsável” referentes ao modo de dirigir, ao sexo e ao uso de drogas. Eles também eram menos satisfeitos com suas relações familiares. Meninas que gostavam de música heavy-metal estavam mais envolvidas em roubos, vandalismos, promiscuidade sexual, uso de drogas e tinham auto-estima inferior áquelas que não gostavam de música heavy-metal.11

O que estas descobertas significam? Pelo menos que igrejas e escolas estão terrivelmente deficientes na obra de tentar alcançar a juventude através da música. Muito da música a que os adolescentes são expostos é essencialmente anti-cristã. Mesmo quando a letra é apropriada, a música anula seu valor.

6. A música pode ser usada para controlar emoções e ações de uma pessoa sem passagem pelo processo de pensamento racional. Como Storr indica: “O poder da música, especialmente quando combinado com eventos emotivos, pode impressionar terrivelmente. No desfile de Nuremberg em 1936, os aplausos ensurdecedores da vasta multidão eventualmente abafaram a música das grandes bandas que tocaram para a entrada de Hitler. Mas as bandas estavam lá muito antes que Hitler aparecesse, precedendo o discurso de Hitler com o seu discurso, preparando a imensa multidão com ansiedade, ajudando e sendo cúmplice da auto-dramatização de Hitler, fazendo acreditar que um fracassado petit bourgeois tornou-se Messias… Não pode haver dúvida de que pela incitação das emoções da multidão e através de assegurar-se de que estas emoções atingissem um clímax juntas, em vez de separadamente, a música pode contribuir poderosamente para a perda de julgamento crítico, e render cegamente aos sentimentos momentâneos, o que é tão característico do comportamento de uma multidão.”12

7. É legítimo para um cristão tocar e ouvir música sagrada e secular. Como cristãos temos que certificar-nos de que a letra e a música elevam nosso espírito acima dos cuidados mundanos da nossa vida.13

8. Música não é uma arte estática. O repertório muda e se expande constantemente. Harold Best observa:

“A igreja tem por séculos travado batalha após batalha sobre a questão de se e como arte e música `tem de ver’ — o que tem de ver em relação a tomar emprestado estilos, formas, processos, melodias, técnicas, texturas, formatos, expressões e instrumentos de fontes seculares… Na hora do tomar emprestado, a batalha é violenta, amarga e provoca divisões. Então conforme o tempo passa, a guerra vai morrendo. O que era anteriormente condenado torna-se meramente questionável, se não totalmente sagrado.”14

Reflexão

Nossos julgamentos na escala de valores são realmente importantes nesta área? O que ouvimos tem afetado nossa vida? Acredito que sua resposta é um resonante “Sim”! Nossas escolhas têm conseqüências eternas; ou elas nos trazem mais perto ou nos distanciam de uma relação mais profunda com Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador.

Marvin Robertson (Ph.D., Florida State University) é o diretor do Departamento de Música do Southern College of Seventh-day Adventists, em Collegedale, Tennessee, E.U.A.
Notas e Referências

1. Oliver Strunk, Source Readings in Music History, págs. 59-78; 341-362.
2. Allan Bloom, The Closing of the American Mind (New York: Simon and Schuster, 1987), pág. 68.
3. Anthony Storr, Music and the Mind (New York: The Free Press, 1992), pág. 45.
4. Ellen G. White, Education (Mountain View, Calif.: Pacific Press Pub. Assn., [1903] 1952), págs. 167 ff.
5. Leitores interessados em obter uma cópia deste documento podem enviar um pedido por escrito para o editor da revista Diálogo ao endereço na página 2 deste número.
6. Mark O. Hatfield, Conflict and Conscience (Waco, Texas: Word Books, 1971), pág. 126.
7. Harold M. Best, Music Through the Eyes of Faith (San Francisco: Harper, 1993), págs. 43, 44.
8. The American Heritage Dictionary of the English Language, 1969.
9. Bloom, pág. 69.
10. Janet S. St. Lawrence e Doris J. Joyner, “The Effects of Sexually Violent Rock Music on Males’ Acceptance of Violence Against Women”, Psychology of Women Quarterly 15:1 (março de 1991), pág. 49.
11. Jeffrey Arnett, “Heavy Metal Music and Reckless Behavior Among Adolescents”, Journal of Youth and Adolescence 20:6 (dezembro de 1991), págs. 573-592.
12. Storr, pág. 46.
13. Para achar os pontos de vista de Ellen White, ver Music–Its Roles, Qualities, and Influence as Set Forth in the Writings of Ellen G. White (Washington, D.C.: Ellen G. White Estate, 1972).
14. Best, pág. 41.

Fonte Advir