21 agosto 2008

Crise do capitalismo americano: o pior ainda está por vir

A crise do capitalismo em curso nos Estados Unidos e na Europa ainda deve piorar e a deterioração do quadro econômico pode levar à quebra de um grande banco dos Estados Unidos dentro de meses. O prognóstico é do ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kenneth Rogoff.

Por Umberto Martins*

"Os Estados Unidos não estão fora de perigo. Penso que a crise financeira está no meio do caminho. Iria adiante dizendo que o pior ainda está por vir", sustentou o economista durante conferência em Cingapura [1].

Entre a cruz e a espada

Rogoff, hoje professor de Harvard, criticou ainda os cortes nas taxas de juro promovidos pelo Federal Reserve (Fed), banco central dos EUA. "O corte das taxas de juro levará a muita inflação nos próximos anos nos Estados Unidos", avaliou.

A crise colocou as autoridades econômicas do país entre a cruz e a espada. De um lado, a emergência da recessão sugere a necessidade de reduzir as taxas de juros. De outro, a fragilidade do padrão dólar e a inflação em alta indicam o contrário: a necessidade de elevar as taxas de juros para atrair capitais estrangeiros e conter o consumo interno.

No muro

A redução das taxas de juros é uma das causas imediatas da forte queda do dólar registrada praticamente em todo o mundo ao longo dos últimos anos. Os juros baixos reduzem o apetite dos investidores estrangeiros por ativos estadunidenses, comprometendo o financiamento do escandaloso déficit em conta corrente e estimulando a emissão inflacionária das verdinhas.

A crise econômica e a depressão das bolsas também estimulam a fuga de capitais dos EUA, agravando o problema. A inflação do dólar pressiona os preços internos através da alta das mercadorias importadas, que têm um peso expressivo na composição do consumo interno norte-americano. De quebra, é também uma das causas da inflação mundial das commodities, uma vez que o dólar ainda é a medida (ou unidade de referência) dos preços internacionais.

O dilema explica a decisão (ou falta dela) do Federal Reserve, que preferiu ficar em cima do muro em suas duas últimas reuniões, mantendo a taxa básica de juro inalterada em 2% ao ano, o que configura uma interrupção da política monetária de viés baixista iniciada em meados de 2006 para fazer frente à ameaça de crise no setor imobiliário, que acabou irrompendo no ano passado.

Ciclo deformado

As estatísticas indicam que o sistema capitalista-imperialista dos Estados Unidos está amargando algo mais perigoso que uma mera crise cíclica. A análise dos fatos sugere que há novidades na atual turbulência que fazem a diferença em relação às crises cíclicas habituais, que de resto são intrínsecas ao processo de reprodução ampliada do capital em escala social.

A crise atual revela certa deformação do ciclo econômico nos Estados Unidos em comparação com o ciclo anterior - o festejado e mistificado boom dos anos 1990. A diferença começa pela duração.
O ciclo de crescimento verificado na última década do século XX, quando a balança do desenvolvimento aparentemente tinha se inclinado a favor dos EUA, durou cerca de 10 eufóricos anos, antes de desaguar no colapso da chamada Nova Economia (falências escandalosas e derretimento do valor das ações das empresas de informática e telecomunicações) e na recessão de 2001 [2].

A recuperação desta última crise, conforme notou o economista Robert Brenner, foi frágil, breve e sem bases sólidas. Embora a recessão tenha sido declarada oficialmente encerrada ainda no segundo semestre de 2001, a verdade é que a indústria e o nível geral de emprego só iriam conhecer uma débil e incerta recuperação a partir de 2003. E esta não durou sequer cinco anos, metade do ciclo de prosperidade anterior.

Parasitismo

A economia saiu da recessão em 2001 graças a uma ousada e arriscada política de redução dos juros conduzida pelo Federal Reserve sob a presidência do carismático Alan Greespan. A taxa básica recuou para 1% ao ano e permaneceu por um bocado de tempo negativa (abaixo da inflação). Só em 2004 o Fed retomaria o viés altista da política monetária, elevando o juro gradualmente, para mais de 5% em 2006, quando novamente alterou o sentido da sua intervenção, retomando a política de redução gradual da taxa básica.

A expansão do crédito decorrente do afrouxamento monetário conteve o avanço da recessão, induzindo uma retomada fundada no crescimento extraordinário do consumo, que passou a representar mais de 70% do PIB, e do endividamento familiar e empresarial, cabendo destacar a dívida hipotecária.

O extraordinário avanço do consumismo não teve contrapartida na produção industrial doméstica, configurando o que o economista Robert Brenner chamou de "uma via distorcida de expansão" e que podemos caracterizar também como um ciclo de reprodução parasitário. Registre-se que o consumo esteve em expansão, de forma inusitada e bizarra, mesmo durante a recessão de 2001, o que à primeira vista pode parecer um contra-senso. Todavia, já se sabe que o hiato entre produção e consumo encontra sua explicação nas relações que o imperialismo americano estabelece com o resto do mundo e no seu histórico desequilíbrio comercial.

Bolha imobiliária

O apetite dos consumidores resultou, obviamente, numa forte expansão do comércio varejista, associada não mais ao incremento da produção doméstica, como seria normal, mas ao aumento apreciável das importações, que além de respaldar o relativo sucateamento da indústria americana também impulsionou o déficit em conta corrente e o passivo externo, o que abalou a credibilidade do padrão dólar. Deste modo, a bolha impulsionada pela redução dos juros agravou o parasitismo da sociedade norte-americana, acostumada a viver além dos próprios meios que produz, poupando pouco e consumindo em excesso.

Hegemonia em xeque

A política de redução dos juros levada a cabo por Alan Greespan também alavancou a bolha imobiliária e, como era de se esperar (e muitos economistas, entre eles Brenner, previram) tem tudo a ver não só com a crise financeira (ou imobiliária) como igualmente com a crise do dólar. O déficit externo corrompeu os fundamentos que sustentavam o padrão dólar, colocando em xeque a capacidade do dinheiro de Tio Sam continuar cumprindo as funções de moeda internacional – ou, em outras palavras, a hegemonia do padrão dólar.

A atual crise, por conseqüência, não tem apenas um caráter cíclico, pois combina as turbulências econômicas com a decomposição do padrão dólar, fenômenos estreitamente associados. O que está em curso, no final das contas, é a crise da ordem capitalista e imperialista internacional, ou seja, a crise da hegemonia dos EUA.

[1] Colhi a informação sobre a palestra de Rogoff, que se tornou um crítico valioso dos desequilíbrios da economia estadunidense, em matéria do Valor Online (19-8), assinada pela jornalista Juliana Cardoso

[2] A época (meados da década de 1990 até os primeiros anos deste século) foi dominada falsa aparência de que o processo de decadência da hegemonia imperialista dos EUA fora revertido, abrindo a perspectiva de um novo século americano. Quem falava em decadência do império e denunciava a decomposição do padrão dólar era tachado de esquerdista e catastrofista pelos que apostaram ingenuamente na hipótese de que os EUA continuariam liderando o crescimento mundial pelo menos até a metade do século XXI.

* Umberto Martins, jornalista, é editor do Portal da CTB

Fonte Vermelho

Nota: Os EUA estão enfretando uma das piores crises, talvez a maior de todas, desde que se tornou uma grande potência mundial. A crise financeira, a guerra contra o terrorismo, o combate ao aquecimento global, a fome, a crise do petróleo, os rumores de guerras espalhados pelo mundo e etc, levarão os líderes mundiais a tomar a frente para resolver essas crises, eles já foram convocados pela ONU para isso. Muito em breve eles deverão tomar a decisão que a muito tem sido adiada.