A 1 de Setembro, cerca de 50 delegados das Conferências Episcopais Europeias provenientes de mais de dezena e meia de países partimos da Basílica de Esztergom, na Hungria, para uma peregrinação de esperança para toda a Criação, tendo como destino o Santuário de Mariazell, na Áustria, passando pela Eslováquia, onde fomos acolhidos pelo Arcebispo de Bratislava, D. Stanislav Zvolenský. A iniciativa foi inspirada pela Mensagem do Papa Bento XVI para a Jornada Mundial da Paz de 2010, com o título: “Se queres cultivar a paz, protege a Criação”.
A ideia de uma peregrinação foi escolhida por constituir uma acção que simboliza o caminho de reflexão, formação e conversão, caminho este que se torna necessário se a humanidade deseja afrontar as muitas dimensões do desafio ambiental. Uma peregrinação é tanto expressão de fé como empenho de mudança. Por isso, esta peregrinação começou com uma bênção e aspersão pelo Cardeal Péter Erdö, para nos recordar que, no baptismo, através desse dom fundamental de Deus que é a água, nos tornamos parte da Igreja, também ela peregrina.
Dedicamos uma particular atenção ao tema da água, um elemento da Criação rico de significados bíblicos e sacramentais. A decisão de realizarmos parte da peregrinação de barco ao longo do magnífico rio Danúbio –o rio europeu que atravessa o maior número de países- pretendeu exprimir a nossa preocupação de que, nas palavras de Bento XVI, “o açambarcamento dos recursos, especialmente da água, pode provocar graves conflitos entre as populações envolvidas. Um acordo pacífico sobre o uso dos recursos pode salvaguardar a natureza e, simultaneamente, o bem-estar das sociedades interessadas” (CV 51). Os delegados dedicaram uma particular atenção à iniciativa ecuménica conjunta do Conselho Nacional das Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC), já subscrita por algumas Conferências Episcopais católicas da Europa, intitulada “Declaração Ecuménica sobre a Água como Direito Humano e Bem Público”. É que a água, que simboliza também o elemento fundamental e condividido da fé, está a tornar-se um recurso escasso para muitos seres humanos.
Prestamos também particular atenção ao problema da energia e à necessidade de se poupar, sempre que possível. Sublinhou-se a importância do recurso às fontes renováveis, tais como a eólica, a solar, os biocombustíveis, a biomassa, as mini-hídricas (“small-hydro”), as tecnologias que aproveitam as marés e ondas marítimas e outros combustíveis não fósseis. Concordou-se que é necessário afrontar seriamente a problemática dos resíduos, quer através da prevenção e da reciclagem, quer pelo encorajamento de tecnologias dedicadas a esse sector. Entretanto, sublinhou-se a necessidade de uma valorização completa e rigorosa do impacto ambiental surgido directa ou indirectamente de tais tecnologias de reciclagem.
É fundamental uma conversão da mente e do coração mediante uma educação que conduza à mudança nos modelos de comportamento habituais e socialmente consolidados. Como sublinhou o Cardeal Peter Turkson, Presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz, no seu discurso aos delegados da peregrinação, a tradição bíblica ressalta a unidade interna e a lógica da Criação, obedecendo a uma sabedoria, transmitida pelo Criador, que lhe garante beleza e equilíbrio. Tal como a Palavra de Deus faz com que o «caos» se faça «cosmos», do mesmo modo, o cosmos, sem a Palavra de Deus, pode conduzir-nos aos caos. Esta persuasão encontra eco na própria etimologia da palavra «ecologia», que contém a ideia de velar por uma boa ordem na «oikos», na casa comum, na nossa habitação terrestre. Quanto tudo está conforme a esta ordem, existe beleza. Quando esta ordem se rompe ou perturba pelo egoísmo e pelo pecado, a beleza é ameaçada. Este tema é posto em evidência por Bento XVI na “Caritas in veritate”, quando afirma que a natureza “fala-nos do Criador (cfr. Rom 1, 20) e do seu amor pela humanidade. (…) Por conseguinte, também ela é uma «vocação”. A natureza está à nossa disposição, portanto, não como «um monte de lixo espalhado ao acaso», mas como um dom do Criador que traçou os seus ordenamentos intrínsecos, dos quais o homem há-de retirar as devidas orientações para a «guardar e cultivar» (Gn 2, 15)” (n. 48). A mensagem fundamental que esta peregrinação pretende lançar é que a bondade, a beleza e a fecundidade da Criação constituem a primeira vocação do homem, vocação que lhe é confiada na responsabilidade.
Na esperança de inspirar um renovado empenho moral e espiritual na questão ecológica, os delegados fixaram a atenção no rico património de valores contidos na tradição bíblica, patrística e teológica, assimilado pela razão e proposto à humanidade pela Doutrina Social da Igreja. Estes valores geram os seguintes princípios fundamentais:
•empenho no bem comum universal, reconhecendo que o bem de cada um de nós depende também do bem-estar de todos os outros;
•afirmação do destino universal dos bens da terra, recusando todas as tentativas de monopolizar, limitar ou comercializar os bens que Deus deu a todos e dos quais cada pessoa depende na sua própria existência física;
•a subsidiariedade, tendo presente que são determinantes para o futuro do ambiente global as iniciativas de nível local que envolvam as famílias, as paróquias e as escolas;
•a solidariedade, incluindo a disponibilidade para sacrificar os rápidos e fáceis ganhos pessoais em benefício dos outros, em particular dos pobres e dos indefesos;
•a justiça distributiva, para que aqueles que menos poluem, como os pobres e os em vias de desenvolvimento, não continuem a ser os mais tocados e feridos pelas graves consequências da crise ambiental;
•a justiça inter-geracional, agindo agora com prudência e precaução para não colocar em risco a própria existência das gerações futuras;
•o «livro da natureza» é uno e indivisível. O respeito por uma «ecologia humana» está integralmente interligado com o respeito pela Criação.
Formulamos um apelo aos jovens, às famílias, às comunidades paroquiais, aos mosteiros e conventos, às escolas, aos seminários e às universidades para que renovem o seu empenho na vocação de velar por esta nossa comum casa terrena, encorajando a difusão, o estudo e actuação destes princípios que oferecem uma orientação clara e portadora de esperança para a humanidade.
Em particular, apelamos à oração e a acções comuns com outras Igrejas e comunidades eclesiais cristãs, como fizemos nós numa oração ecuménica em St. Pölten, que constituiu parte integrante desta peregrinação. Encorajamos, ainda, calorosamente, as Igrejas locais a participarem na iniciativa «Tempo para a Criação» (“Creation Time”), lançada em 2007 pela III Assembleia Ecuménica Europeia, realizada em Sibiu, na Roménia, que recomenda que o período entre 1 de Setembro e 4 de Outubro –memória litúrgica de São Francisco de Assis- seja dedicado a orações e iniciativas sobre este tema da Criação, como já fazem algumas Igrejas e Conferências Episcopais.
Encorajamos também um amplo diálogo com a comunidade política e no interior desta, cujo benefício, aliás, nós próprios experimentamos no decurso desta peregrinação.
Ao realizarmos esta peregrinação de esperança pela Criação, tomamos consciência de que, de algum modo, também nós repetimos e reproduzimos a viagem de disponibilidade e de alegria da Virgem Maria quando atravessou rios e montanhas para proclamar o acontecimento da Nova Criação à sua prima Santa Isabel. Estamos conscientes de que, com aquela viagem, Maria se tornou imagem da Igreja futura, a Igreja peregrina que porta no seu seio a esperança do mundo através dos vales e das montanhas da história humana. Ao concluir a nossa peregrinação, à imitação da Virgem Maria e sob a guia orante do Cardeal Christoph Schönborn, trazemos a este belo Santuário alpino de Mariazell a nossa esperança de uma nova compreensão das “grandes coisas” que o Senhor fez para nós no dom imenso da Criação e da necessidade de dizer um novo “sim” à nossa vocação primordial. Da mesma forma que iniciamos a nossa peregrinação ecológica no coração da Europa, na belíssima Basílica da Anunciação de Esztergom, e a concluímos no santuário da Natividade de Nossa Senhora de Mariazell, assim desejamos, ao longo da nossa peregrinação na terra, continuar a levar a esperança escatológica da Igreja, já que “lá onde ela estiver”, toda a Criação a seguirá.
Fonte Agência Ecclesia
Nota: Antes de tudo quero afirmar que devemos proteger o meio ambiente; a Criação de Deus deve ser respeitada e protegida. Contudo, não devemos esquecer que essa proteção deve ser feita, como muitas vezes já escrevi neste espaço, sem ofender a Lei de Deus contida no Êxodo, capítulo 20.
Sugiro que essa notícia acima seja vista dentro contexto do ECOmenismo e Aquecimento Global