Por Julio Hegedus*
Vive-se uma era de tensão nas economias globais. Depois das incertezas da crise fiscal europeia, nos confrontamos agora com os rumos da economia norte-americana, diante das medidas de estímulo monetário e fiscal perdendo força. Neste cenário, dúvidas surgem se a economia global não estaria experimentando mais um surto recessivo ou mesmo um duplo mergulho (double dip). Esta é a indagação feita por todos os observadores da cena econômica mundial.
Teríamos então o desfecho de uma tese cara a todos, segundo a qual a economia global mergulhou numa terrível seca de crédito, há exatos dois anos, quando da implosão do Lehman Brothers, quarto maior banco de investimentos dos EUA, resultando numa ameaça de risco sistêmico bancário ao redor, com as instituições financeiras carregadas de títulos hipotecários de alto risco (subprime) nas carteiras de ativos se confrontando com o risco de insolvência. Depois das fortes intervenções keynesianas dos vários governos afetados, como Europa, entre os Piigs (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha), Reino Unido, Estados Unidos e Ásia, a situação acabou superada, dado o grande volume de crédito público e medidas fiscais empreendidos.
O mergulho inicial acabou marcado pela retração de 2,4% da economia norte-americana, como podemos observar no gráfico ao fim, depois de um ciclo consistente de forte crescimento na economia global de 5% por dois anos, fruto do 'boom' de crédito experimentado nestes países.
O problema é que, passada a fase mais aguda da crise, os países se recuperaram, mas agora começam a se confrontar com crises fiscais e esgotamento das várias medidas adotadas. Muitos acadêmicos e analistas acreditam que as medidas de estímulo, aprovadas nos EUA, geraram bons resultados, mas já começam a mostrar esgotamento. Na Europa, os rigorosos ajustes fiscais anunciados até deram uma trégua a alguns países, como Irlanda, Portugal e Espanha, bem sucedidos nas rolagens das suas dívidas, mas seus impactos recessivos já começam a ser questionados. Neste contexto, a Grécia ameaça mergulhar numa recessão de queda de 3% neste ano, com o resto dos países empacados na estagnação.
Na "sopa de letrinhas" em que se transformou o debate da comunidade econômica internacional no esforço de explicar a crise, diversas formas já foram tomadas nos vários países envolvidos, uns mais castigados, outros menos, mas sem passar por rigorosos apertos e dificuldades. No início da crise, se falava num formato de "V", com rápido mergulho seguido por uma forte recuperação, se parecendo com o caso brasileiro, já se falou em "U", com a economia mergulhando e demorando um pouco mais para se recuperar. Agora todos falam da letra da vez, o "W", com um mergulho, seguido por recuperação, mediante estímulos, que diante do seu esgotamento, recolocam a economia num outro surto recessivo, sem esquecer o fantasma da deflação, que impacta ainda mais a capacidade de consumo e endividamento dos agentes. Neste caso, poderíamos incluir os EUA, países da zona do euro, sem esquecer o Japão.
Neste último, tem-se o banco central japonês operando as expectativas dos agentes com taxas de juros muito baixas (0,1% anuais), mas sem estimular o consumo, já que, numa "armadilha de liquidez", estes se mostram cautelosos, mantendo a taxa de poupança em patamares elevados. Este cenário já começa a se repetir de novo no país oriental, onde o Bank of Japan já cogita afrouxar ainda mais sua política monetária, diante da queda do iene. Nesta semana, uma primeira iniciativa foi tomada, com uma forte intervenção no mercado de divisas, através da venda forte de ienes, totalizando mais de ¥ 1 trilhão no dia 15/09. Com isto, o iene voltou a se depreciar fortemente.
Este receio de estagnação no longo prazo é observado também na economia norte-americana, onde a taxa de poupança, historicamente negativa, vem se mantendo em patamares elevados, em torno de 5% do PIB. Lembremos que o motor do EUA passa pelo consumo privado, representando mais de 70% da economia. Sem ele, a economia não anda.
Diante dos receios de desemprego alto e mercado imobiliário inerte - vendas de imóveis usados e novos confirmaram isto, com recuo de 27% e 12,4% em julho, respectivamente -, além do receio de mais endividamento, as famílias norte-americanas, mais cautelosas, optam por adiar o consumo.
Neste contexto, será que, em vez de um duplo mergulho, não teríamos a economia norte-americana embarcando numa letra sob a forma de "L", um mergulho sem fôlego para retomar?
Nas pesquisas, o risco de uma recessão nos EUA já se encontra em torno de 60% de probabilidade, com a Europa não escapando, derrapando numa suave recessão no primeiro semestre de 2011, com recuo de até 0,5 ponto porcentual no seu PIB.
Por outro lado, há os que acreditam numa recuperação gradual e errática, e não numa recessão. Por outro lado, a sensação dos mercados é de recessão. Bank of America Merrill Lynch, por exemplo, até já usou a expressão de "crescimento recessivo". Para os mais otimistas, o viés é de crescimento baixo por um longo período, com a economia dificilmente passando de 2,5% ao ano. Nos EUA, com o desemprego próximo a 10% da PEA, o consumo não engrena, pelo receio de se perder o emprego.
Diante destas indagações, Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve, e Barack Obama, presidente dos EUA, vêm se comprometendo, caso seja necessário, a adotarem novas medidas, mesmo que "não convencionais", ou, nas palavras de Bernanke, para "oferecer acomodação monetária adicional" e estimular a economia neste ano e nos próximos. Não enxerga-se, por enquanto, risco de deflação, com a economia devendo crescer pouco neste ano, mas ganhando impulso no ano que vem.
Na verdade, o Fed possui alguns instrumentos como: compra de títulos de longo prazo, em troca da injeção de liquidez na economia; juros de curto prazo, mantidos baixos por um longo período; e redução dos juros paga aos bancos. Esta última acabou descartada, por ver o problema não nos bancos, mas na pouca disposição dos agentes em voltar a consumir. Lembremos que, nestas operações de compra de ativos, o Fed já mobilizou US$ 1,7 trilhão até março passado.
Na divulgação do PIB, revisado no segundo trimestre, observamos uma economia norte-americana desacelerando. O crescimento acabou revisado para baixo, de 2,4% para 1,6%, mesmo que acima do esperado pelo mercado (1,3%), com o consumo crescendo mais que o esperado (2% contra 1,9%) e a inflação ao consumo estável (PCE), depois de acumular 2,1% no 1º trimestre.
Isto pode confirmar a possibilidade de deflação na economia norte-americana, corroborando seu fraco desempenho. No gráfico abaixo, observamos o forte impulso do PIB de lá gerado pelas medidas de estímulo, e a perda de dinamismo diante do esgotamento destas. Começa-se a se formar a figura do duplo mergulho...
Reforçando esta tese, há dúvidas sobre a capacidade de a economia norte-americana voltar a crescer com mais força em 2011. Outra dúvida diz respeito à inevitabilidade de deflação nos próximos meses. Estudo recente de dois acadêmicos norte-americanos - James Stock (Harvard) e Mark Watson (Princeton) - corrobora isto. Estima-se que haverá deflação em 2011, em função do excesso de capacidade produtiva, com o núcleo do PCE, medida preferida do Fed, podendo recuar 0,8 ponto porcentual até o segundo trimestre do ano que vem, contra 1,5% anual neste segundo trimestre (estimativa).
Tendo-se que as estimativas do Fed se encontram entre 1,5% e 2,0%, com a inflação recuando abaixo disto, próxima a zero, uma luz vermelha estaria acesa para a autoridade monetária norte-americana. Neste estudo, baseado em sete episódios de recessão desde 1960, chegou-se a conclusão que, depois das recessões. a inflação sempre acabava caindo no momento seguinte, com exceção de 2004, quando o Fed manteve a taxa de juros baixa e a inflação em queda, mesmo diante de uma retomada saudável da economia.
Isto dito, concluímos que existem muito mais dúvidas do que certezas sobre o desempenho da economia norte-americana nos próximos anos. Medidas de estímulo foram adotadas, mas serão eficazes para tirá-la da inércia? É neste mar de dúvidas que os mercados ao redor do mundo vêm mantendo uma postura defensiva nas últimas semanas. Realmente, vivemos tempos difíceis.
Fonte Abril.com
Nota: "Sabe, porém, isto: nos últimos dias, sobrevirão tempos difíceis..." II Timóteo 3:1.