Dar a César o que é de César |
O
atual cenário político nacional é, no mínimo, interessante – mas chega a ser
até assustador. Enquanto o governo da presidente Dilma Rousseff, na tentativa
de frear a ascensão da candidata Marina Silva ao Planalto desengaveta a chamada
Lei Geral das Religiões, cuja tramitação está há mais de um ano parada no
Senado, a pastora pentecostal Ana Paula Valadão grita a plenos pulmões que “nós estamos indo para a política brasileira e as portas do inferno
não prevalecerão contra a igreja do Senhor”. Dilma, que é ateia,
surpreendeu também ao comparecer à inauguração do megatemplo de Edir Macedo
(ou de Salomão, como ele diz) em São Paulo, não necessariamente
por seu ateísmo (já que, em tempo de campanha, políticos rezam para
todos os
“santos”), mas por saber das falcatruas de que Macedo é acusado há anos
e,
mesmo assim, dar essa honra ao “bispo”, privilegiando e reconhecendo a
igreja que ele criou nos anos 1970. Na luta pelo apoio político vale
tudo,
não é mesmo?
A
Lei Geral das Religiões, estrategicamente desengavetada neste momento, estabelece
para instituições religiosas diversos benefícios – inclusive tributários. Segundo
a revista Veja, “o texto foi
apresentado em resposta ao acordo firmado em 2008 entre o Brasil e o Vaticano, que
estabeleceu normas sobre os mesmos temas em relação à Igreja Católica. Líderes
evangélicos reclamam que o Estatuto Jurídico da Igreja Católica desequilibrou o
tratamento das religiões por parte do Estado – o que motivou a elaboração da
Lei Geral das Religiões. Aprovado em 2013 pela Comissão de Assuntos Sociais do
Senado, o texto ainda não foi a plenário”. Mas deve ir, porque Dilma quer desesperadamente
agradar os evangélicos.
Ana
Paula
Valadão, assim como um movimento que quer tornar a religião católica
oficial em nosso país e está arrecadando assinaturas para isso (confira), realmente parece não entender o que é um Estado laico e a importância de
sua manutenção. Basta um olhar na história do mundo para perceber que a união
Estado/igreja nunca foi boa coisa, especialmente para minorias discordantes,
que acabaram pagando alto preço (fogueira, tortura e conversão forçada) por
pensar de forma diferente. E nem é preciso olhar para trás para perceber os
perigos de uma pretensa teocracia. Isso existe em nosso tempo e tem sua mais
nefanda expressão nos Estados islâmicos radicais.
O
que esse pessoal que se diz crente está esquecendo é da orientação de Jesus
segundo a qual devemos dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus
(Mt 22:21), ou seja, devemos separar religião de política. Creio
que Marina entendeu isso. Mas alguns crentes ainda creem que devem
tomar de assalto o governo a fim de estabelecer o reino de Deus na
Terra.
Tenho
“medo”
da corrupção do PT. Tenho “medo” das falcatruas do tucanato. Mas também
temo que crentes desequilibrados, estridentes, triunfalistas e dados ao
transe místico queiram se intrometer na gestão pública do País. O Estado
precisa continuar laico - para o bem de todos.
Michelson Borges